Fim da Estação- Para quem ama uma História do Piauí, conheça um pouco mais sobre a vida de Manoel de Sousa Martins.
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Né de Sousa (Arquivo História do Piauí) |
Aguerrido, hábil e notável articulador político, essas são algumas das características que definem a personalidade imponente de Manoel de Sousa Martins, um sertanejo piauiense que deixou uma marca indelével na história do Brasil por sua habilidade de governar e liderar. Contudo, apesar de todas essas qualidades, nem mesmo sua destreza foi suficiente para escapar das imposições do tempo e suas consequências implacáveis. Né de Sousa já se encontrava envelhecido e, com isso, surgiram os dissabores e as contendas familiares, que não se limitaram ao casarão do Visconde da Parnaíba.
Octogenário, o Visconde acumulava uma vida repleta de histórias e feitos notáveis, mas não era tarde para um novo capítulo. Diante de sua idade avançada, seus descendentes começaram a se preocupar com a administração de seu vasto patrimônio e outros bens. Assim, sua filha legítima, Dona Maria Josefa Clementina de Sousa, junto a outros parentes próximos, decidiu contratar um procurador para representá-los perante a Justiça. O escolhido foi o ilustre advogado oeirense Dr. Casimiro José de Moraes Sarmento, cuja altíssima intelectualidade e habilidades jurídicas já haviam sido reconhecidas, tanto pela sua atuação como governador do Ceará quanto na província do Rio Grande do Norte.
Os Sousa Martins alegavam que o patriarca estava tomando decisões arbitrárias e prejudiciais à riqueza acumulada ao longo dos anos, como declarar sua esposa, Maria Benedita Dantas, como meeira de seus bens. A maior parte da família via com desconfiança o segundo matrimônio de Manoel de Sousa Martins, especialmente por ele tê-lo realizado já na velhice. Para muitos, a esposa representava um interesse puramente materialista, querendo se beneficiar do patrimônio do ancião.
Outras alegações apontavam para a incapacidade do Visconde em administrar suas fazendas e as vastas terras do Departamento do Canindé, que pertenciam, por direito, ao italiano Dom Luigi, Conde D’Áquila, esposo de Dona Januária e cunhado de Dom Pedro II. Relatos da época indicavam que as terras estavam em completo abandono; os currais e cercados estavam em condições precárias, e a produção de gado havia sofrido uma queda acentuada. Além disso, havia sérias preocupações com as condições dos escravizados, que, além de sofrerem maus-tratos, eram empregados em atividades em benefício de terceiros. Esse conjunto de problemas resultava em consideráveis prejuízos ao patrimônio da família.
Com base nessas observações, os herdeiros do Visconde chegaram à conclusão de que ele não possuía mais condições mentais para gerir suas responsabilidades e que um deles deveria assumir a administração, com o critério primordial de que fosse alguém com vínculo sanguíneo. Assim, o procurador, Dr. Sarmento, solicitou ao juiz municipal a realização urgente de um exame que atestasse as limitações do Visconde, de modo que um curador fosse nomeado para cuidar dele e de seus bens.
Atendendo à solicitação do advogado, foi realizada a avaliação de Manoel de Sousa Martins na data e horário estipulados. Foram contratados dois médicos: Dr. Júlio César Andreiny e Dr. José Sérvio Ferreira, este último médico particular do examinado. Durante a consulta, várias questões foram levantadas, e em uma delas o Visconde não conseguiu precisar a data de seu nascimento. Além disso, já apresentava uma surdez significativa, o que exigia que falassem muito perto dele ou que alterassem o tom de voz. O Visconde também exibia uma paralisia facial evidente, acompanhada de movimentos involuntários e desordenados da cabeça e dos membros superiores, indicando uma possível doença neurodegenerativa. Contudo, essa condição não o impedia de locomover-se.
Após o exame, Dr. Júlio César Andreiny concluiu que o Visconde, aos 88 anos, apresentava sinais claros de demência senil, caracterizada pela deterioração progressiva da capacidade cognitiva, o que comprometia a execução de suas atividades diárias. Essa síndrome, que se instala com o tempo, afeta de maneira gradual o comportamento e a independência das pessoas idosas.
Embora concordasse em grande parte com o diagnóstico de seu colega, Dr. José Sérvio Ferreira atestou que Manoel de Sousa Martins estava, de fato, na fase da decrepitude. Ou seja, o Visconde estava "caducando". No entanto, mesmo em sua avançada idade, o político ainda conseguia ler, escrever e contar, além de gozar de uma saúde razoável, sem doenças graves aparentes. O médico, que também era amigo do Visconde, optou por não atestar a demência, apesar das evidências.
Esses diagnósticos não ficaram restritos ao âmbito familiar. Os descendentes do notável político decidiram tornar públicas as conclusões médicas. Oeiras era pequena demais para conter tal informação, assim, optaram por publicar as análises em importantes periódicos da cidade de São Luís do Maranhão. Um escândalo! Em resposta, pessoas próximas ao Visconde fizeram circular um folheto assinado pelo próprio, onde externou uma fala carregada de dor e indignação, retratando o sentimento de ingratidão diante de parentes que, em vez de reconhecerem os benefícios recebidos, respondiam com calúnias e tentavam tomar seus bens. A celeuma foi tamanha que alimentou ainda mais os mexericos e os fuxicos na lendária Primeira Capital do Piauí.
As contendas familiares perduraram por mais algum tempo. O Visconde, talvez alheio a toda essa disputa por seu patrimônio, continuava a viver em seu universo particular, marcado por dias de lutas e vitórias. Quase um ano após todo esse imbróglio, Manoel de Sousa Martins faleceu em 20 de fevereiro de 1856, na cidade de Oeiras, terra onde amou, foi odiado, consolidou sua família e sua trajetória política.
Junior Vianna
Historiador e membro do Instituto Histórico de Oeiras