Foi no século XIX que Oeiras viu florescer a figura ilustre de José Sérvio Ferreira. O destino, generoso, quis que nascesse em berço abastado, o que lhe permitiu seguir o caminho dos livros e das letras. Deixou o sertão pelas calçadas da Corte, onde formou-se em Medicina, no Rio de Janeiro — então capital do Império.
Diplomado e de alma convicta, retornou à sua cidade natal. Trouxe não apenas o saber acadêmico, mas um espírito resoluto em servir. Atendia com igual dedicação o roceiro simples e o aristocrata — entre os quais se destacava o Visconde da Parnaíba.
Sua fama de médico hábil e homem íntegro correu ligeira. Quando o Hospital de Caridade abriu suas portas, não houve nome mais justo para ocupar a direção inaugural. Ali estava José Sérvio: de bata branca e coração aberto, zelando pela saúde de um povo.
Homem culto e de amizades largas, era bem-quisto tanto em Oeiras quanto em rincões mais distantes da província.
Mas o tempo — esse cavaleiro que não faz concessões — lhe pregou peça amarga. Em 19 de maio de 1868, aos 51 anos, José Sérvio partiu de forma inesperada, deixando em luto a cidade que tanto amara. A notícia espalhou-se como vento em palha seca, trazendo comoção aos quatro cantos da ex-metrópole do Piauí.
Em gesto de grande estima, amigos próximos solicitaram que seu corpo fosse sepultado na Capela do Santíssimo Sacramento, na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória — contrariando, assim, as normas higienistas que já regiam os sepultamentos da época.
A decisão custou uma multa de quinhentos mil réis ao procurador da Irmandade do Santíssimo Sacramento. No entanto, a Câmara Municipal de Oeiras interveio: afiançou o gesto e sugeriu que a quantia fosse destinada a Dona Joaquina Ferreira de Carvalho, viúva do estimado médico, para custear a lápide que, até a década de 40 do século XX, repousava sobre o chão onde ele descansa.
Histórias como essa, guardadas na memória silenciosa das pedras e nos arquivos amarelados do tempo, servem para lembrar que há homens cuja nobreza não se apaga com a morte. José Sérvio foi um deles — desses que o tempo, embora implacável, não ousa esquecer.
Texto: Júnior Vianna
Historiador
Imagem: Aquarela de Zuleica Tapety
Leia também:
O Tiroteio: História do Velho Hermínio
Tags:
Crônica