Quer saber o que é viver num corpo Negro? Então, vista-o por um dia, só um dia, e sinta o peso de uma pele que já nasceu sendo resistência. Coloque essa cor, carregue esses traços e entre no mundo. A sensação de ser observado, não como quem vê, mas como quem mede, questiona e subestima, estará ao seu lado desde o primeiro instante. O mundo te observa com uma curiosidade desconfiada, uma suspeita quase silenciosa, mas tão pesada quanto gritos.
Ao caminhar pelas ruas, você será o primeiro a ser notado e o último a ser ouvido. Sentirá o aperto das mãos que seguram bolsas e o desvio de olhares que evitam encontrar os seus. Encare esses olhares, mas sinta também o cansaço, porque cada um deles parece exigir de você uma explicação. Explicação por existir, por estar ali, por ser.
Quer saber o que é ser negro? Se prepare para ser lido com uma tinta invisível, onde está escrito que você precisa provar seu valor, seu lugar, sua capacidade. É acordar sabendo que, mesmo com talento e esforço, suas vitórias sempre terão um asterisco, uma dúvida sussurrada: "Será que ele realmente mereceu?"
Viva um dia como negro e veja o quanto ele precisa se dividir para existir. Precisa ser forte sem endurecer, mostrar dignidade sem parecer ameaça, falar o que pensa sem perder o direito ao respeito. Precisa levantar a cabeça, mas não demais, pois o mundo logo o lembra: abaixe os olhos. Seja negro por um dia e sinta o silêncio das portas que se fecham antes mesmo de você chegar perto.
Sente-se à mesa de uma reunião e veja como o seu lugar sempre parece ser um pouco menos seu. Não porque não é capaz, mas porque um corpo negro, tantas vezes, é visto como um detalhe fora do lugar. No fim do dia, quando o cansaço te alcançar, saiba que há uma razão maior: o peso de não poder parar de resistir, de sempre ser um exemplo, de sempre carregar uma história que nunca é só sua.
Quer saber o que passa um negro? Então, seja negro, 24 horas. E entenda que ser negro é ter que justificar, resistir, inspirar e, ainda assim, sorrir. Porque a nossa força não está só em resistir ao que pesa, mas em encontrar beleza e orgulho mesmo no peso que nos impõem.
Escrito por: VALENTIM, Carlos Lameck.
Você encontra este texto nos portais Tô no Mural & Mural da Vila